quarta-feira, 16 de dezembro de 2009
Por meio da dança, portadores de síndrome de Down revelam progressos no tratamento da doença
Elisa Tecles
Publicação: 14/12/2009 08:14 Atualização: 14/12/2009 08:19
Aos 16 anos, o estudante Alexandre Guimarães de Paula só quer saber de dançar e fazer bonito no palco. Ele ensaia os passos de street dance em frente ao espelho da sala e acompanha os movimentos dos colegas para não sair do ritmo. Na noite da próxima quarta-feira, Alexandre se apresentará pela primeira vez no Teatro Nacional Claudio Santoro. O espetáculo é a mais nova conquista do adolescente, que nasceu com síndrome de Down.
Alexandre Guimarães de Paula (C) durante uma aula: movimentos sincronizados destacam o adolescente em uma atividade que lhe dá prazer e destacam suas habilidades cênicas - ( Zuleika de Souza/CB/D.A Press)
Alexandre Guimarães de Paula (C) durante uma aula: movimentos sincronizados destacam o adolescente em uma atividade que lhe dá prazer e destacam suas habilidades cênicas
A família de Alexandre não teve dúvidas ao escolher a dança que combinaria com o rapaz. “Ele gosta de músicas movimentadas, é o estilo dele”, comentou a mãe do jovem, a funcionária pública Gilda Guimarães de Paula, 55 anos. É ela quem leva o estudante aos últimos ensaios do show — em três dias, ele subirá ao palco da Sala Martins Penna com outros três dançarinos.
Todos os sábados, Alexandre passa as manhãs na aula de street dance. Tamanho fôlego vem dos treinos de futsal e natação, esportes preferidos do estudante. Gilda torce para o filho exercer todo tipo de atividade, mas nem sempre recebeu incentivo para isso. “Quando fomos à primeira consulta, o médico disse que ele não ia fazer isso e aquilo. Eu não escutava e pensava: ‘Meu filho vai ser diferente’”, lembrou.
Quinze dias depois do nascimento, Gilda levou Alexandre a uma clínica especializada no tratamento da síndrome de Down. Com a estimulação precoce, o bebê começou a engatinhar e aprendeu a andar com 1 ano e 2 meses de idade. Vencida a primeira dificuldade, Gilda procurou escolas para matricular o filho. Recebeu diversas respostas negativas em colégios particulares, que alegavam não ter pessoal especializado para ensinar a criança. O garoto entrou em uma escola regular da rede pública, mas não teve o resultado esperado. “Era só um professor para muitos alunos, não tinha como dar atenção ao Alexandre”, disse Gilda. No início do ano, o rapaz foi aceito em um colégio particular, onde começou a ler e a escrever. Além da alfabetização, os alunos exercitam atividades do cotidiano, como fazer compras no shopping e prestar atenção nos preços e no valor do troco recebido.
Bailando
Nas aulas de street dance, Alexandre se movimenta e adquire percepção do próprio corpo. “Tem pessoas que procuram a dança para se sentir bem. A dança é qualidade de vida”, comentou o professor da turma, Wesley Messias, 30 anos. Wesley dá atenção a Alexandre , mas o tratamento é o mesmo para todos os alunos: eles devem respeitar os momentos de alongamento e de ensaio e seguir as orientações do professor.
- ( Zuleika de Souza/CB/D.A Press)
Em casa, a disciplina é a mesma. Assim como as duas irmãs mais velhas, Alexandre não escapa das broncas quando sai da linha. “Criei os três do mesmo jeito, brigando e colocando de castigo”, afirmou Gilda. A mãe é durona quando necessário, mas derrete-se com as conquistas do filho. Ao saber da participação dele do espetáculo, não se conteve. “Fiquei tão feliz, isso é muito gratificante. Tudo o que ele fizer lá a gente vai achar lindo, a família toda vai chorar”, adiantou.
Gilda descobriu as habilidades do filho com a dança durante uma festa. Começou a tocar Michael Jackson e o garoto correu para a pista. “Ele foi aplaudido de pé. Nem eu sabia que ele dançava tanto!”, comentou. Antes de qualquer festa, a mãe escuta a mesma pergunta do filho: “Vai ter DJ?”.
O espetáculo do Instituto de Dança Juliana Castro contará com a participação de 120 bailarinos, entre 7 e 65 anos. A coreografia Geometria brasileira terá trechos de balé, dança afro, dança de salão, jazz, sapateado, salsa e outros estilos. Na turma de Alexandre, a maioria dos alunos pratica street dance há menos de um ano, mas já arrisca coreografias completas.
A diretora artística da academia, Juliana Castro, é pós-graduada em ensino especial e busca a participação de crianças com deficiências nas aulas de dança. Nos oito espetáculos realizados pelo instituto, todos contaram com bailarinos portadores de necessidades especiais. “O tratamento é igual, respeitando a limitação dele e de qualquer outro aluno”, resume Juliana. Segundo ela, o importante é garantir aos pais que os filhos estão em um ambiente seguro, com cuidados especiais.
Cromossomos
Crianças nascidas com a síndrome de Down possuem três cromossomos 21 (trissomia), um a mais que o normal. Elas costumam ter desenvolvimento físico e mental mais lento que o de outras crianças e podem levar mais tempo para começar a andar ou a falar. Algumas podem apresentar problemas no coração ou perda auditiva e ter maiores chances de desenvolver leucemia ou mal de Alzheimer. A frequência da trissomia na população é de um a cada 650 a 1 mil recém-nascidos.
Street dance
A dança teve origem nos Estados Unidos, no fim da década de 1960. Os passos rápidos conquistaram os guetos americanos e o estilo se popularizou. Nos anos 1980, o hip-hop ganhou destaque no Brasil e trouxe as coreografias do street dance. A modalidade deixou de ser exclusiva das ruas e virou moda em academias no país.
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