segunda-feira, 14 de setembro de 2009

Marca-passo é a última esperança para quem sofre de depressão crônica

Muita gente conhece e usa marca-passo. Ele ajuda um coração doente a bater no ritmo certo. Agora, pode auxiliar também o cérebro a funcionar melhor.



Muita gente conhece e usa marca-passo. Ele ajuda um coração doente a bater no ritmo certo. Agora, pode auxiliar também o cérebro a funcionar melhor. Atualmente em testes nos Estados Unidos e também no Brasil, o marca-passo é a última esperança para pessoas que sofrem de doenças como a depressão crônica, profunda, que não responde a nenhum dos tratamentos disponíveis.

A americana Diane Hire não mede palavras para contar o que passou durante dez anos. “Eu não conseguia pensar em outra coisa a não ser em morrer. Eu simplesmente não queria viver mais. Era demais para mim”, conta.

Foram três tentativas de suicídio, uma década de sofrimento. “Eu acordava e pensava: só mais 15 horas e posso voltar para a cama”, lembra.

Ela tentou de tudo, mais de 20 tipos diferentes de tratamentos, entre antidepressivos e eletrochoque. Até que um psicólogo perguntou se ela estaria disposta a participar de um novo estudo clínico, ainda experimental: uma cirurgia no cérebro contra a depressão crônica.

Como Diane, milhões de pessoas que sofrem de depressão – cerca de 20% delas não respondem aos tratamentos disponíveis. “Eu não tinha mais nada a perder e queria fazer qualquer coisa, mesmo com riscos”, diz Diane.

Diane foi para o centro cirúrgico do Hospital de Cleveland, em Ohio. Os cirurgiões fizeram dois pequenos furos no crânio. Lentamente, introduziram dois fios bem finos até uma região do cérebro que os médicos acreditam estar relacionada com os casos de depressão resistente a terapias: a área 25.

Os fios têm quatro pequenos eletrodos, que são transmissores de corrente elétrica. O cirurgião passou os fios por trás da cabeça até o peito da paciente, onde duas baterias foram implantadas.

A peça-chave da cirurgia é um marca-passo do cérebro. De certa forma, funciona como um marca-passo do coração. É implantado em uma região do paciente, um de cada lado. Ele libera estímulos elétricos para uma área do cérebro, ajustando o humor e as emoções do paciente.

A operação precisa ser feita com o paciente acordado, para que ele possa indicar ao cirurgião se os eletrodos estão sendo implantados no lugar certo. Diane lembra de cada segundo, principalmente a partir do momento em que o marca-passo foi acionado.

“De repente, tudo ficou iluminado, até as cores da sala de cirurgia ficaram mais claras para mim. Antes, tudo parecia cinza”, conta.

Um dos cirurgiões que participaram da operação é o brasileiro André Machado.

“Quando a gente controla a atividade elétrica desses neurônios com o estímulo elétrico controlado que vem do marca-passo cerebral, a gente consegue modular a doença, controlar os sintomas da doença”, explica o médico brasileiro.

O ajuste final da freqüência elétrica foi feito dias depois, no consultório do psiquiatra.

“A técnica parece normalizar circuitos do cérebro que não funcionavam direito. Precisamos avançar mais nos estudos para descobrir por que”.

De oito pacientes operados nos Estados Unidos, dois não sentiram qualquer efeito. Os outros seis tiveram redução de mais de 50% nos sintomas da depressão crônica. Mas e se os marca-passos forem desligados?

“A depressão volta na hora. Isso já aconteceu com um paciente. Ele entrou numa loja e o detector de metais, acidentalmente, desligou o marca-passo. Sem saber o que tinha acontecido, ele me ligou na hora, dizendo que estava se sentindo muito mal. No consultório, chequei que o marca-passo estava desligado”, conta o psiquiatra Donald Malone.

Os médicos explicaram para Diane que a cirurgia não cura o paciente da depressão. Nesse tratamento, o cérebro terá que receber estímulos elétricos para sempre. Mas ela nem se importa.

“Agora fico triste quando tenho um motivo para ficar triste. Mas sei que, no dia seguinte, vou acordar melhor. Eu descobri que a vida é cheia de alegria”, diz Diane.

Essa mesma técnica cirúrgica usada nos Estados Unidos já está sendo testada aqui no Brasil. E é a esperança de um piloto da categoria stock car, André Bragantini Júnior.

A cirurgia é realizada experimentalmente em Goiânia pelo neurocirurgião Osvaldo Vilela desde 2004. Mas aqui, a técnica não é usada para tratar a depressão, e sim, um distúrbio raro, chamado síndrome de Tourette.

André convive com a doença desde os seis anos. As principais características são os tiques motores e de voz. Movimentos e reações incontroláveis que se manifestam até durante o sono.

“O maior problema de conviver com isso é o convívio social. As pessoas que sofrem de alguma deficiência sofrem preconceito”, diz o piloto.

Nas pistas, André Bragantini Jr. sempre lutou para superar a síndrome de Tourette. Mas com o agravamento dos sintomas, pilotar passou a ser um desafio cada vez maior. Diante do risco de ser obrigado a parar de competir, preferiu a cirurgia.

“Eu sempre sonhei com isso e nunca tive nenhuma possibilidade na minha frente de melhora”.

Como no caso da cirurgia contra a depressão, aqui o paciente recebe um implante de eletrodos no cérebro. A diferença, neste caso, é o local dos estímulos elétricos.

“É o ponto do cérebro que nós utilizamos para o tratamento da doença”, diz o cirurgião Osvaldo Vilela.

André é o quarto portador da síndrome de Tourette a ser operado pela equipe do doutor Osvaldo Vilela.

Durante mais de 12 horas, André permaneceu consciente para ajudar os médicos a encontrar o ponto para o implante dos eletrodos, o local onde os estímulos elétricos vão agir para reduzir os tiques do paciente.

O procedimento não traz a cura da síndrome de Tourette, mas as estatísticas são animadoras.

“O índice de melhora até o momento foi superior a 80% em nossos pacientes”, afirma o cirurgião.

Uma semana depois da cirurgia visitamos André no hospital. “Estou me sentindo bem, muito bem. Pra falar a verdade, estou me sentindo ótimo. Achei que diminuiu a intensidade e também em quantidade, né? A intensidade é muito menos bruta, vem com muito menos força. E a quantidade diminuiu também. São muito menos tiques”.

Além de reduzir tiques nervosos, os médicos acreditam que esse tipo de cirurgia seja capaz também de tratar outras doenças como mal de Parkinson, alguns tipos de epilepsia e TOC, o transtorno obsessivo compulsivo.

GLOBO.COM

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